Mediunidade: bebês conseguem enxergar aquilo que é oculto aos nossos olhos?

Desde criança ouvi dizer que bebês e pessoas com deficiência mental enxergavam coisas que nós, em teoria, não conseguíamos.

Hoje, pela primeira vez, resolvi compartilhar publicamente uma história particular.

Se quiser pular a parte a seguir, fique à vontade… eu aviso quando voltar a ler!

 

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O ano era 2004. Final de terceirão. O local? Clube Verde. Um churrasco de um amigo em comum em um domingo frio e chuvoso. Foi nesse dia em que eu conheci o Lucas.

A partir dali, passamos a sair e frequentar muitos lugares com o mesmo grupo de amigos. Com o tempo, amigos foram tomando outros rumos e mantivemos a amizade. Saíamos com outras pessoas, aprontávamos, bebíamos. Ficamos muito amigos. Frequentava muito a casa dele. Fiquei amigo das irmãs e dos pais dele. Viajamos por várias vezes – dois carnavais na praia, idas à fazenda da família dele, outras viagens ao litoral, Curitiba, Foz do Iguaçu com um pessoal de biologia quando não conhecíamos ninguém… Até hoje não me entra na cabeça a capacidade de já estar dormindo no carro, com o som alto, antes mesmo de passar em frente à fábrica da Heineken. Morou fora um tempo por causa da agronomia. Ou melhor, pouco tempo, várias vezes, mas sempre na minha vida. Foi quem me ensinou a andar a cavalo.

Foi confidente e viu meu namoro com a Janaina começar, engatar, se transformar em amor. Foi na casa dele que fizeram um aniversário surpresa pra mim. Uma festa junina em que eu dei PT por causa de uma batidinha de amendoim. De novo foi embora de PG. Passou a namorar e morar com uma menina em uma cidade pequena do Paraná, onde trabalhava. Vinha de vez em quando, as vezes com ela. Foi nosso padrinho de casamento – dois dias antes da festa me ajudou a carregar caixas e mais caixas e mais caixas de frisantes e bebidas até o buffet.

Depois do casamento, veio algumas vezes para PG. Ficava hospedado lá em casa, onde hoje é o quarto do Henrique. Tinha a chave do nosso apartamento!

Num certo dia, avisou que estava vindo para PG para um casamento de ex-colegas de UEPG no sábado à noite. Ia na sexta-feira lá em casa para papearmos e bebermos. Quem me conhece sabe que não sou de fazer churrasco. Piorou, dentro do apartamento. A data nunca vou esquecer: 05 de agosto de 2016, noite da abertura das Olimpíadas do Rio. Combinamos de assistir juntos. Comprei cerveja, linguiça, carne, liguei a churrasqueira elétrica. Demorou um pouco, mas chegou, comemos, bebemos, batemos papo, falou da relação que estava tendo com a namorada e a família dela. Não dava mais. Estava voltando pra PG. Ia voltar apenas buscar algumas coisas e voltaria pra ficar. Se despediu e foi embora… de vez.

No domingo, 7 de agosto, era meu aniversário. Minha esposa tinha uma prova pra fazer, não lembro de quê. Estava sozinho, dormi até mais tarde. Acordei, tomei café, tomei banho e fiquei um pouco de varde. Pouco depois das 12h, toca meu celular. A irmã mais nova dele. “Se puder compartilhar no teu facebook que o Lucas morreu, pros amigos de vocês ficarem sabendo”, disse ela. “Como assim?”, perguntei sem entender. “Ele sofreu um acidente de carro de madrugada e morreu”. “Vocês estão em casa?”, perguntei. “Já chego aí”.

Não lembro como foi esse momento direito. O choque não me deixou chorar ou entender de verdade o que estava acontecendo. Entrei numa roupa qualquer, no carro, e fui pra lá. Abracei a mãe dele e fui entender que, na volta do casamento, tinha colidido de frente em um caminhão na estrada entre Castro e Piraí do Sul. Meu melhor amigo (as vezes acho que ele foi muito mais meu amigo do que eu dele, pra ser sincero) morria no dia do meu aniversário.

Família sem condições. Levei a irmã dele reconhecer o corpo – isso já era noite. Ela não tinha condições de entrar, entrei eu e um tio dele, sem saber o que poderia encontrar. Graças a Deus estava ‘tudo bem’. Fui à funerária, assinei documentação, comprei uma coroa, acertei a burocracia do velório. Outra pessoa cuidou do funeral.

No momento do último adeus, uma revelação que nem eu nem muitos ali sabiam. A mãe dele pediu desculpas, em prantos, por nunca ter contado que ele era adotado.

Enterro em uma segunda-feira brusca, fria. Foi a última vez que eu vi o tio e a tia, pai e mãe dele. Fui pra casa e chorei. Chorei por dois anos seguidos, sem conseguir falar sobre o que tinha acontecido com o meu irmão de alma. Não deixei de ver os pais dele por algum motivo. Estiveram sempre em minhas orações, mas não tinha condições nesses dois anos e tinha medo de como a minha presença poderia afetá-los dada nossa relação. Me protegi atrás da desculpa de protegê-los.

Há algumas semanas conversei com o pai dele. O mesmo receio que eu tinha, de falar, descobri que eles também tinham. Voltei a chorar a conversar com ele. Deixaram Ponta Grossa. Marcamos de levar o Henrique para conhecê-los. Não deu certo, mas dará muito em breve. Sempre estiveram e estarão comigo por tudo o que vivemos.

Na quarta-feira, dois dias depois, recebi uma mensagem da minha mãe de santo, convocando nosso terreiro para uma gira fechada de emergência. Precisavam de mim! Após abertura e outros procedimentos internos, fui informado pelo Seo Severino, boiadeiro chefe, que precisavam puxar uma pessoas que estava perdida para que eu desse instruções e fosse encaminhada. Chorei… muito! Porque eu já sabia do que se tratava. Me recompus, me preparei e dei ok para o que tinha que ser feito.

Aí você pode pensar: que bobagem! Como é que você sabe que era ele? Bem… tem coisas que eu apenas sei, e não sei explicar como. Assim como eu sei como vou deixar este plano e com que idade, e nunca ninguém me disse isso formalmente. Apenas sei.

Ele veio. Estava perdido. Desnorteado, dizendo que precisava trabalhar, que não estava entendendo o que estava acontecendo. Naquele momento Deus me deu uma força e um entendimento que nunca imaginei que teria. Olhei pra ele, expliquei que estava tudo bem, que eu estava ali e estava conversando com ele. Quando se acalmou, contei que havia tido um acidente, que o corpo dele tinha morrido, mas ele continuava vivo, tanto que estava ali, conversando comigo. Que ele precisava ficar calmo, que aqui estava tudo bem, ficaria bem, mas ele precisava seguir o caminho dele, que agora ele tinha outras tarefas pra fazer. Como tinha se acalmado, ele entendeu, mas não curtiu muito, deu pra perceber, rs. Eu disse que estava na hora, que ele precisava ir, e tinha gente chamando ele. Então ele olhou pra mim e disse a frase que me faz ter certeza de que era ele.

“Tá. Então me faz um favor? Toma uma por mim?!”

E foi embora para a eternidade.

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Desde que o Henrique nos foi anunciado eu tenho certeza que tem um anjo da guarda ao lado dele. Naquela história – não sei como nem o porquê, apenas sei. E sei também que é o Lucas quem guarda nosso filho.

Desde os primeiros dias percebo que o Henrique é médium. Vê e sente algo que nos é invisível aos olhos físicos. E as demonstrações são várias. Quantas vezes peguei o ‘bêbe’ olhando e rindo para um lado específico. Gargalhadas! À medida que ele vem crescendo, isso seguiu – menos repetidamente, mas seguiu. Dias desses falei para a Janaina se ela sabia que, no futuro, quando mostrarmos uma foto do tio Lucas ele irá reconhecer. Estávamos jantando. Ele no carrinho, ao nosso lado. Nesta vez e por tantas outras era notório que tinha algum palhaço fazendo graça para o bebê rir.

Me enche os olhos de lágrimas e gratidão saber que  o tio Lucas está junto conosco, cuidando do Henrique e vivendo esse momento ao nosso lado, ainda que em um plano diferente. Repito: apenas sei, sem ter como explicar. E sei também que isso vai acabar logo, nos próximos meses, com o crescimento do Henrique.

Pode parecer uma história triste – e, por muito tempo, foi! – mas hoje, quase 7 anos depois, é de saudade, e eu me permito agradecer pela amizade, pelo carinho, pelos bons momentos vividos juntos e pelo cuidado com o meu filho.  Ah, tomei uma não, tomei várias por você, tá?

Me dou o direito de apelar para o clichê e colocar uma #Gratidão.

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Sobre o autor

Eduardo Vaz

Eduardo Vaz

Jornalista multimídia e produtor executivo de rádio e tv, com passagens por Band, Grupo Ric, Rede Massa SBT, entre outros meios de comunicação.

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