Já adianto que, no final deste post, eu vou te provar que trocar o nome de consultório para instituto não quer dizer nada se você não tem competência para o que deseja exercer.
O ano era 2020, auge da pandemia, quando eu decidi que era hora de me livrar dos óculos que me acompanharam desde os 14 anos e partir para as lentes de contato. Não, não o mesmo par, claro. Aliás, em todos os 18 anos usando óculos tive apenas dois pares. Um que durou 10 anos. Outro que durou 8, obviamente, e só surgiu na minha vida por uma questão de modelo. Era praticamente igual ao outro e ninguém nunca reparou a diferença. Mas assim… nunca quebrei, risquei ou sentei em cima, como muitos fazem. O segredo? Óculos é para ser usado na cara, não no bolso. Mas nem sempre foi assim…
Eu tinha de 14 para 15 anos quando achei que algo não estava certo ao olhar para o quadro na escola. A sala era larga, mas a distância do quadro não era tão grande. Uma dificuldade imensa. Minha mãe marcou um oftalmologista e lá fui eu. Resultado? Miopia em ambos os olhos. Já com 1,25 e 1, se não me engano. Mas claro, início da vida jovem, não queria usar óculos, queria partir direto para as lentes de contato. Apesar de não recomendar, o médico aceitou o desafio. Encomendou as lentes de contato.
“Claro, imagine que eu não vou conseguir colocar lentes de contato. Capaz, mesmo!”
No dia marcado, lá estava eu no consultório, ansioso por enxergar bem e para começar a usar. Era o início de um trauma de muitos, muitos anos. O grande problema dos médicos e assistentes é não deixar que o próprio paciente novato coloque a sua lente, oras! Por que cargas d’água eles acreditam que eles, enfiando o dedo no olho da pessoa, terão maior sucesso? E assim foi comigo.
Veio a assistente do médico e disse:
– Vou colocar a lente no seu olho.
Hoje, mais velho, menos tímido, teria mandado ela à merda e pego pra fazer eu mesmo. Mas deixei. O resultado foi desastroso. Foi complicadíssimo pra colocar no primeiro olho. Eu não conseguia abrir o olho, lacrimejava muito. Ela sem muita paciência queria enfiar por tudo quanto é lei. Foi horrível. No outro olho foi o mesmo terror. Não sei precisar quanto tempo durou, mas pareceram horas de suplício até que as lentes, finalmente, estavam nos olhos. Uma sensação estranha, enxergar mais ou menos bem, afinal de contas o olho parecia querer saltar da cara de tão vermelho que estava.
Passei alguns minutos com as lentes na recepção. Sem maiores problemas, sem sentir muita coisa. Até o momento de tirá-las.
“Jesus, por que eu inventei isso?”
Sim. Foi pior do que o suplício de colocá-las. Doeu, arranhou a córnea, não saíam por nada no mundo. Dobraram. Foram pra trás do olho. Não dava certo. Veio o médico. Perdeu a paciência. Eu perdi a paciência. Quase decidi que elas iam morar ali onde estavam mesmo pro resto da vida. Se para colocar durou uma eternidade, para retirar foram três ou quatro eternidades em uma ensolarada tarde.
Por fim, saíram. Vitória! Mas deixaram um trauma que demorei quase duas décadas para superar.
– Não! Não! Você não consegue usar lentes de contato. Aqui está a receita. Vai fazer um óculos!
E assim foi. Tive pra mim que não conseguiria usar lentes de contato. Fiz os óculos. No começo não gostava. Usava apenas quando precisava enxergar algo de verdade. Tirava e deixava na caixinha. E isso seguiu por vários anos dessa forma. Nunca mais voltei àquele médico e o mesmo oftalmo me acompanhou pela vida toda. O grau aumentando um pouquinho e os óculos servindo apenas para enxergar quando eu realmente precisava.
Quando comecei a dirigir, ficou mais difícil. Eu tinha um solar, com grau, que estava sempre no porta-luvas. O de grau se dividia entre meu criado-mudo, para assistir tv, e a bolsa da faculdade. Até uma noite em que decidimos sair da aula e ir tomar um chopp. Ao terminar a aula, guardei os óculos na caixinha. A caixinha na bolsa. E a bolsa no porta-malas do carro. Fomos para o chopp. Horas depois, na hora de ir pra casa, sentei no banco do motorista, liguei o carro e andei um pouquinho. Senti falta dos óculos. A preguiça de parar, descer do carro, abrir o porta-malas, a bolsa, a caixinha e pegá-los foi maior. Prudente que sou, não iria para casa sem as lentes que me faziam enxergar melhor. Optei pela opção mais óbvia. Por volta das 0h, resolvi pegar os óculos solares que estavam no porta-luvas. Foi ótimo! Serviram muito bem, diga-se de passagem. E eu não poderia ser multado, afinal de contas, estava com as lentes obrigatórias da CNH.
Como disse, sempre tive vontade de usar lentes de contato, desde o primeiro momento. Sempre questionava essa possibilidade ao meu ‘novo’ oftalmo. Ele nunca me disse não de uma forma ríspida, mas repetia:
– Você acredita que conseguiria usar lentes?
– Não…
– É, então… eu também acredito que não.
E assim os anos passaram. Sempre quando me questionavam, a cirurgia estava fora dos meus planos e a lente era impossível.
– Tenho muita sensibilidade no olho, já tentei e não consigo – dizia eu.
Com o tempo, passei a usar os óculos continuamente. Não conseguia mais viver sem eles no rosto. Mas em 2020, algo mudou. Algo chamado ‘pandemia’. Uma desgraça que veio para trazer dor e sofrimento pra muitas pessoas. E com ela, a obrigatoriedade do uso de máscaras. Caramba, quem usa óculos sabe da dificuldade que foi neste primeiro momento adaptar-se ao uso das máscaras, que embaçavam os óculos e, além de não respirar, você também não enxergava. Confesso que eu preferia ficar em casa do que ter que sair e usar máscara (isso não mudou até hoje). Aí tomei uma decisão:
“Vou tentar usar lentes novamente!”
Como meu médico tinha dúvidas, resolvi investir em um novo profissional. Agendei com uma indicação de uma colega de trabalho (um que tinha sido cliente, ou seja, fez propaganda para promover sua nova clínica). Toda pomposa, no Centro, com estacionamento próprio. Um luxo!
Cheguei no dia antes do horário – afinal de contas, se chego no horário estou atrasado -, passei o cartão da Unimed pelo pagamento da consulta e aguardei ser chamado. Esperei um pouco e entrei no consultório. Um médico mais novo. Nem simpático e nem grosseirão. Perguntou um pouco do histórico e o que eu fazia lá. “Quero usar lentes!” Papo vai, papo vem… vamos ali nas máquinas ver como estão seus olhos.
A bem da verdade é que das três máquinas pelas quais passei, aquelas básicas que tem em todo consultório oftalmológico, apenas uma delas conseguiu ler e dar algum diagnóstico sobre a minha visão. Nas outras, tentamos… e tentamos… e tentamos… e tentamos… até que o médico se injuriou e disse que tinha dado certo. Eu vi que não tinha! Sabia que não tinha o resultado! Mas ele insistiu em dizer que sim, tinha dado certo. Enfim…
Voltamos para a mesa dele. Ele sequer me colocou para o teste mais comum que acontece, ler as letrinhas e testar lentes.
– Bem, vou lhe indicar esse colírio aqui e quero que volte em 20 dias para avaliarmos novamente.
– Por que?
– Porque achei que seu olho está um pouco ressecado e quero ver novamente.
– Tá. E o meu grau? Como está? Como ficou? Aumentou? Estabilizou? Diminuiu?
– Na volta lhe respondo.
– Tá, mas e como está agora?
– Não, não, na consulta de volta lhe digo.
– Tá, mas o senhor não vai me dizer nada? Nem uma prévia de como está meu grau?
– Não… na reconsulta conversamos sobre isso.
– Mas eu gostaria de sair com a receita que indique meu grau.
– Daqui 20 dias te conto.
Simplesmente saí do consultório injuriado porque, além de mentiroso, não quis falar nada sobre o meu grau. Claro! Não sabia! Poderia ter sido sincero, mas preferiu omitir a situação achando que eu tinha comido com farinha. Vou refazer a frase.
Saí puto do consultório!
Ao passar pela recepção…
– Moço!! Tá aqui… a guia dos exames que você fez lá dentro para que você libere na Unimed.
– Que exames? Isso não tem que liberar antes de fazer os exames?
– É dos exames que fez no consultório.
– Mas esses exames, como em qualquer outra consulta de oftalmo, não estão incluídos na consulta?
– O doutor só pediu para lhe entregar.
Peguei a guia, cheguei no carro e rasguei com gosto. Há alguns dias, quando decidi contar essa história, decidi enviar um e-mail para a Unimed Ponta Grossa questionando sobre essa prática, de se fazer o exame antes, sem avisar o paciente, e depois pedir para liberar guia. Estou no vácuo até agora por um posicionamento do que eles sugerem que eu deveria ter feito.
Voltei ao meu oftalmo de confiança, de que eu nunca deveria ter duvidado. Expliquei pra ele que gostaria de tentar usar lentes. Por incrível que pareça, foi super solícito.
– Acho ótimo. Lentes são ótimas para quem consegue usar. Se quiser encomendar conosco, as meninas na recepção podem encomendar. A fulana vai te ajudar e ensinar a como colocar e manusear as lentes. Tomara que dê certo! – disse ele.
Novamente a assistente veio ela mesma querer colocar em mim, só que dessa vez o macaco velho aqui tomou a rédea da situação.
– Não, querida. Eu vou colocar. Prefiro eu tentar e já aprender a colocar e a tirar.
– Ah, tudo bem, moço. Então você faz assim, assim, tem o lado certo que você vê assim, a solução usa assim, assim, assim… tem um espelho e um banquinho ali, se quiser tentar.
E tenta e não vai. E tenta e não vai. E tenta e não vai… até que, uma meia-hora depois, diz ela:
– Olha, não quer levar pra casa as lentes de teste e tentar lá, com calma, sozinho?
– QUERO, por favor!!!!
E assim foi. Dois ou três dias tentando colocar. Na primeira vez, 1h30, e 2 litros de suor. Depois disso, o timing começou a diminuir, graças a Deus. Desde então, abandonei meus óculos. Praticamente não sei onde estão, devo ser sincero.
Pra quem me pergunta: não, não sinto nada nos olhos. É maravilhoso e libertador usar lentes. Poderia utilizá-las 24 horas por dia, sem problema nenhum. Tiro pra dormir, mas as vezes chego a esquecer que estou com ela.
Recomendo! Só não recomendo aquele médico que transformou um consultório em ‘instituto’. Ham… instituto… sei!