Não existe jornalista de ferro. Ou melhor, nunca existiu!

Engana-se quem pensa que o jornalista, apesar de ser um trabalho, está alheio a todos os sentimentos que uma cobertura pode oferecer. Não está, posso lhe garantir.

Por muito tempo, o padrão de jornalismo brasileiro foi aquele ‘duro’. Ana Paula Padrão conta no livro “O amor chegou tarde em minha vida” que se livrar das ombreiras foi uma das melhores coisas que fez. Quando pôde… Na TV, principalmente, o jornalista precisava aparecer sério, apenas narrando o fato, e não fazendo parte dele. A premissa não está errada, afinal de contas você não pode – ou pelo menos não deveria – escrever que “ocorreu o triste falecimento de fulano de tal”. Ou então que “graças a Deus pousou em segurança o avião que estava com problemas mecânicos”. Não, não ria. Uma dessas frases foi escrita por um jornalista e publicada em um site de notícias local.

Dias desses ainda analisava a apresentação do Jornal Nacional pelo Cid Moreira. Incrível a diferença de entonação do apresentador na TV e narrando a Bíblia Sagrada. Tenho a impressão que as frases “Morreu o comediante Mussum” e “Festa do Dia Primeiro de Maio” saem do mesmo jeito. Com aquela voz grave, entonada, e sem graça – desculpe a sinceridade.

Nunca precisei estar em uma cobertura em que eu me emocionasse, mas de uns tempos pra cá passei a me permitir, de uma maneira maior, viver a notícia. E é isso que tem feito a diferença em grandes coberturas, afinal de contas o jornalista está ali, não apenas narrando a situação, mas fazendo parte. Se uma bomba estourar e mandar tudo para os ares… ele irá junto. E foi isso que aconteceu nesta quarta-feira, 21 de junho de 2023, com a repórter Kathulin Tanan, da RPC Londrina, durante entrada no Bom Dia Paraná.

Durante uma entrevista ao vivo com o avô de uma das vítimas de um atentado em uma escola de Cambé, a repórter foi surpreendida com a frase:

“Nessas horas não adianta palavras, é um abraço, um abraço forte que fortalece. Eu posso te dar um abraço?”

Frase forte, sensível e de impacto. Ninguém consegue se colocar, de maneira real, no lugar de quem perdeu uma neta para um louco que resolver descarregar uma arma em estudantes de uma escola. Mas sim, este avô se colocou no lugar da repórter, que estava trabalhando dando as informações e, quem sabe até, comovida com a situação.

Kathulin, ao vivo, fez o que devia fazer. Esqueceu por alguns segundos que era jornalista e abraçou o homem. Com ternura, com carinho, com afeto. Com um desejo sincero de condolências e força naquele momento. Enquanto quem estava em casa sentiu um cisco cair no olho, Kathulin sentiu aquela bola presa na garganta ao retomar a reportagem e quase não conseguir falar.

O vídeo completo pode ser conferido no site do g1. https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2023/06/21/avo-de-jovem-que-morreu-apos-ser-baleado-em-colegio-do-pr-pede-abraco-em-entrevista-ao-vivo-abraco-que-fortalece.ghtml

Isso só reforça a tese de que o jornalista não é, e nem deve, ser de ferro frente às situações adversas que podem acontecer dentro da profissão. Vivemos em um momento em que o sentir também pode fazer parte do texto – com cautela, pelo amor de Deus!

Para ser um bom jornalista e conseguir contar uma boa história é preciso descer do pedestal. Permita-se, caro colega.

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Sobre o autor

Eduardo Vaz

Eduardo Vaz

Jornalista multimídia e produtor executivo de rádio e tv, com passagens por Band, Grupo Ric, Rede Massa SBT, entre outros meios de comunicação.

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