Estamos no inverno, mas o calor das tensões entre Brasil e Estados Unidos tem feito muita gente suar. E não tem jeito, sempre que há um embate entre a situação e a oposição, surgem as narrativas duvidosas.
Depois do bloqueio dos vistos americanos de Ministros do STF e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, uma nova narrativa começou a circular em grupos bolsonaristas: a possibilidade de o governo norte-americano “desligar” o sinal de GPS no Brasil como forma de retaliação ao Supremo Tribunal Federal. Coisa do Bananinha 02.
Hoje cedo, conversando com uma pessoa, ela pareceu nervosa, porque uma outra pessoa tinha dito que, se chegasse a essa consequência, o Brasil poderia se tornar o caos. Será mesmo?
Para entender até que ponto essa hipótese é real ou apenas mais uma bravata, eu conversei com o professor Idomar Cerutti, mestre em Computação Aplicada e docente dos cursos de Engenharia de Computação e Engenharia de Software da UEPG. Ele também integra um grupo de editores que atualizam os mapas do Waze e tem profundo conhecimento sobre sistemas de navegação por satélite.
Será que o GPS pode ser desligado e tornar o Brasil um caos?
Desligar só no Brasil? Calma lá, meu bem. Não é bem assim!
“Quando falamos em GPS, estamos nos referindo a um sistema específico, mantido pelos Estados Unidos. Mas hoje, nossos dispositivos recebem sinais de outros sistemas também, como o russo GLONASS, o europeu Galileo e o chinês BeiDou”, explica o professor. Segundo ele, essa “diversificação” já é realidade há mais de uma década.
Ou seja: mesmo que os EUA decidissem interferir no sinal da sua constelação de satélites, algo tecnicamente possível, mas com efeitos colaterais globais, os aparelhos mais modernos continuariam funcionando normalmente com os outros sistemas em operação.
Outra interferência local exigiria ação física no território brasileiro
Outro ponto levantado pelo professor Idomar é o uso de técnicas como jamming e spoofing, que embaralham ou bloqueiam sinais de GPS (tipo esses bloqueadores, usados em presídios). Mas isso exigiria ação dentro do território nacional, como a presença de drones ou aeronaves específicas para gerar ruído. “Essa técnica é usada em situações de guerra. Não dá pra imaginar que aconteceria em solo brasileiro sem causar um incidente diplomático de proporções gigantescas”, analisa Cerutti.
Desliga? Tudo bem! Mas não é só no Brasil, não!
O professor reforça um detalhe importante: os satélites orbitam a Terra, enviando sinal continuamente para amplas regiões. “Se você tira o sinal sobre o Brasil, também afeta Argentina, Paraguai, Colômbia… não dá pra mirar só no território brasileiro”, aponta.
Além disso, ele lembra que os EUA já praticaram no passado um tipo de limitação: a chamada disponibilidade seletiva, que inseria erros propositais no GPS civil para impedir seu uso militar. Isso foi abolido em 2000, pelo então presidente Bill Clinton, e hoje seria pouco eficaz diante da existência de outros sistemas paralelos.
E se o GPS americano for desativado? Tá tudo certo! Seu Waze ou Google Maps vai continuar funcionando!
Nada como a prática, né? Em um teste feito pelo próprio professor com celular pessoal dele, foi constatado que, entre os 38 satélites captados pelo aparelho, 24 não eram dos EUA. Ao desativar o sinal do GPS americano, o celular continuou funcionando normalmente. “O dispositivo automaticamente descarta sinais imprecisos e prioriza os mais confiáveis. É assim que funciona”, diz.
Brasil ainda depende de sistemas externos, mas não apenas do estadunidense
Apesar da relativa independência tecnológica dos dispositivos modernos, o professor Idomar lembra que o Brasil ainda não tem uma constelação própria de satélites de geolocalização. “A gente depende desses sistemas internacionais, sim. Mas não depende apenas de um. Esse é o ponto”, resume.
Conclusão: desligar o GPS só do Brasil é MITO (sacou?). E não pararia o país!
Na prática, é possível desligar o GPS, mas não apenas no Brasil, além de ser uma ideia politicamente desastrosa e funcionalmente ineficaz. “O Brasil não tem controle sobre nenhum desses sistemas, mas também não está refém só de um. É uma dependência compartilhada, diluída entre várias potências”, completa o professor.
Então, se você ouviu por aí que os EUA vão “apagar o GPS do Brasil”, pode respirar aliviado: não é tão simples, nem tão possível. E, por enquanto, continua sendo mais ruído político do que risco real. Talkey, aí?
Acompanhe na íntegra o papo com o professor Idomar Cerutti.