“Tiro dentro da Prefeitura de Ponta Grossa?”

Sim. Essa foi a pergunta que o jornalista Igor Rosa fez, espantado, na redação do recém-criado D’Ponta (WEB) News em julho de 2019.

Sempre foi costumeiro nas redações de jornalismo, desde os áureos tempos, o monitoramento das frequências policiais em rádios comunicadores. Tinha um acidente? Corre uma equipe pra lá. Bombeiros acionados? Presta atenção no que tá acontecendo. Normal!

No início de 2019, surgiu uma web rádio: a D’Ponta Web News (o nome veio depois). Montada com sucata de equipamentos da TV Vila Velha (mesa de som, computador, microfones, pedestais, mesas, etc…), surgiu como uma brincadeira, depois de um papo com o Jeferson Cruz, o Jeffo. Daquelas ideias que tem tudo pra dar errado e de repente: “Vamos? Vamos!”. Horas depois da luz Divina, já estava sendo montada a web rádio. No dia seguinte, estava no ar. Tocando músicas. Isso nasceu de um desejo de ter uma rádio. Quando apresentada, já pronta, a ideia ao João Barbiero, foi a cereja do bolo. Ele, também apaixonado por rádio, entrou na onda: “Vamos!”

A ideia seria uma rádio apenas com notícias. Foi contratado um jornalista para tocar isso, com reportagens locais, de agências e também alguns programas com apresentadores da TV Vila Velha. Um braço, digamos assim, da TV. (por isso o nome D’Ponta – referente à revista – WEB News – notícias da internet). Durou por um tempo, algumas pessoas chegaram a falar dela, mas, como toda web rádio, audiência muito pequena para um grande trabalho. Porém, os conteúdos produzidos pela rádio começaram a se transformar em reportagens escritas. Até então, tudo era veiculado pelo facebook. Houve a necessidade de um site próprio – para atender à rádio. Aí sim, nasceu o D’Ponta News, o portal de notícias. Meses depois a rádio acabou descontinuada, transmitindo somente as entrevistas de maneira online e o foco se tornou o portal de notícias, que até hoje está no ar. Nasceu sem querer, sem projeto, sem ser idealizado como deveria. E em questão de dias, mesmo sem estrutura tecnológica, ganhou uma das maiores audiências que Ponta Grossa e os Campos Gerais já viu em termos de acessos.

A equipe aumentou. Uma certa manhã, Matheus Fanchin, Igor Rosa e eu (não lembro se a Camila ou a Michelle também estavam na redação), publicávamos conteúdos quando a frequência do rádio da Guarda Municipal de Ponta Grossa chiou e foi possível ouvir algo. Igor, mais próximo do rádio, repetiu em voz alta espantado: “Tiro na Prefeitura de Ponta Grossa? Meu Deus!”

– Corre pra lá!

Fomos uma das primeiras equipes a chegar no local – isso que não estávamos perto, fisicamente. Sim, um senhor havia sido baleado na perna, dentro do prédio da Prefeitura, na área da Secretaria de Saúde (por uma ironia do destino). A justificativa, depois em nota, era que ele teria se exaltado, a GM acionada e, durante a discussão, o homem teria sacado algo, que poderia ser uma arma, e acabou baleado. Era um senhor, não era um moleque. Simples! Não sei a idade, mas com mais de 60, aparentando 70, pelo menos. Não me lembro o primeiro nome, mas sei que era o sr. Hurko – nunca vou esquecer esse nome. Depois do tiro, verificou-se que o que ele tinha na cintura era, na verdade, o que é comumente conhecido como ‘rabo de tatu’ – um chicotinho artesanal. Fizemos a transmissão… tudo certo! Trabalho de imprensa, com as informações que estavam ainda sendo apuradas. (fui buscar isso, por curiosidade, se quiser assistir, clique aqui).

Naquele momento e, exatamente sobre o caso que todo mundo queria/precisava/merecia informações, a Prefeitura de Ponta Grossa resolveu se fechar em um casulo. Não haviam mais informações oficiais sobre o que teria acontecido, procedimentos internos, imagens de câmeras de segurança, protocolo com o agente que atingiu o senhor. Nada! O dia passou como um grande vazio sobre essa informação, apesar de todos os veículos tentarem obter. Parecia ter se tornado um assunto non grato, a ser simplesmente esquecido.

Era por volta das 17h quando sentamos todos na redação para fazer um balanço do dia e conversar sobre o que tinha acontecido. Era inacreditável termos passado o dia todo sem os desdobramentos daquele caso. Fontes nos informaram que o sobrenome do senhor era Hurko e que, a princípio, ele tinha sido levado para o Pronto-Socorro Municipal (PSM) – e não para o Hospital Regional, conforme alegava a Prefeitura. Então, qual era o único jeito de conseguir informações? Entrevistando a vítima dos tiros.

Não me recordo se quem cantou a bola primeiro foi o Igor Rosa ou eu, mas sei que olhamos um para o outro e dissemos: “Vamos?” “Vamos!” E assim, entramos no carro e fomos rumo ao PSM.

Eu, pessoalmente, tinha entrado no PSM apenas uma vez para tomar uma injeção contra tétano (uma história para outro dia). Decidimos entrar cada um por um lado e… procurar, oras. Só sabíamos o sobrenome. Se fôssemos barrados? Tudo bem, também faz parte.

Nota do editor: Toda vez que me lembro desse caso tenho a certeza de que o Igor Rosa foi o melhor parceiro de jornalismo investigativo que já tive. Texto impecável, presença de vídeo, sempre pronto pra correr atrás da notícia. Dono de um caminho que todo mundo sabia que seria de sucesso, exceto ele. Brigávamos como cão e gato, mas como coordenador nunca aceitei que ele desse menos do que era capaz. E tá aí! No mundo! Tamanha foi minha alegria quando vi ele, pela primeira vez, em rede nacional, no Globo Rural. Hoje tá em todos os jornais da Rede Globo – e virou meme ao, quase, ser mordido por uma lhama. Todo sucesso do mundo é pouco, meu amigo, pela sua luta!

Do meu lado, entrei. Pela porta principal. E espante-se: ninguém, em nenhum momento, me barrou, pediu identificação, questionou o motivo pelo qual eu estava lá. Nada, nada! Eu simplesmente entrei e comecei a andar pelos corredores do maior hospital público da cidade. Comecei a procurar. Olhava para os quadros de pacientes e não via o nome dele. Quando cheguei ao segundo andar, parei em frente ao posto de enfermagem e perguntei:

– “Por favor, eu estou procurando o senhor que foi baleado hoje pela manhã na Prefeitura. Seo Hurko.”

– “Ah, está no quarto tal (não me lembro). Aqui no meio deste corredor!” – disse a enfermeira.

– “Obrigado!” – era o máximo que eu poderia dizer, afinal de contas, sabia onde estava o homem.

Liguei para o Igor, disse que tinha achado e era para que fosse ao segundo andar. Me encontrou ali minutos depois. Combinamos que ele iria entrar, conversar, ver se o homem topava uma entrevista, e eu ficaria do lado de fora do quarto, vigiando e/ou caso algo acontecesse. Sugeri pra ele gravar em vídeo a entrevista.

Lá se foram dois, três, quatro minutos… Cinco, dez, quinze minutos e nada do Igor sair do quarto. De repente, resolvi olhar o celular. Quando vi, havia uma notificação de “D’Ponta News iniciou uma transmissão ao vivo”. UAI!! Abri o vídeo… não é que o Igor estava entrevistando ao vivo, com exclusividade, o homem que tinha tomado um tirambaço algumas horas antes dentro da Secretaria de Saúde? (também fiquei curioso e fui buscar esse vídeo caso você queira assistir)

Bem… naquele dia ganhamos o mundo. Um portal de notícias, que até então era desconhecido da grande maioria das pessoas, passou a existir. O Igor começou a receber ligações de jornalistas de todos os sites, rádios e tvs do Paraná – inclusive da RPC/TV Globo – pedindo autorização para exibir o vídeo no ParanáTV 2º edição. Éramos os únicos a ter a declaração e a versão da vítima do caso. Naquela noite, dormi com o sentimento de missão cumprida.

Aquele “furo” não caiu bem dentro da Prefeitura de Ponta Grossa. Fomos acusados, informalmente, de “invadir” o PSM e coagir o senhor Hurko a falar. Bem… é só assistir ao vídeo e tirar suas conclusões se ele parecia, em algum momento, coagido. Por meses a assessoria da Prefeitura boicotou nossas reportagens e pedidos de notas do que fazíamos. Não éramos bem-vindos por ter “invadido” um prédio público. Bem… o Igor e eu não invadimos nada. Simplesmente vimos uma porta aberta e entramos. Ninguém ameaçou ninguém, ninguém utilizou da força ou sequer passamos por uma checagem. Entramos e fizemos nosso trabalho.

O caso acabou abafado pela PMPG que, naquele dia, emitiu apenas uma nota oficial.

Nossos questionamentos nunca foram respondidos. Mas ganhamos o mundo. Tive mais certeza do que nunca que era o jornalismo que queria pra minha vida. Isso provou para muita gente que jornalismo se faz na rua, ouvindo as pessoas, procurando informações, buscando assuntos de interesse coletivo. Indo atrás daquilo que ninguém quer que seja divulgado. É isso que muda o mundo.

Sinto falta do meu amigo, irmão de fé, parceiro investigativo e, principalmente, de correr atrás da notícia de verdade. Não aquela que chega via assessoria de imprensa.